Diagnóstico da COVID-19. Quais os principais testes disponíveis? Como interpretá-los?

Diagnóstico da COVID-19. Quais os principais testes disponíveis? Como interpretá-los?

A COVID-19, doença que impôs uma nova realidade a milhões de pessoas pelo mundo, assusta não só pela velocidade de contágio, mas também pelo elevado número de óbitos contabilizados até o momento. Diante da pandemia, uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) é a testagem da população em larga escala. O diagnóstico preciso e precoce da doença desempenha um papel decisivo na tomada de decisões pelos profissionais da saúde, garantindo o tratamento adequado e o isolamento das pessoas infectadas, e retardando ou, até mesmo, impedindo a propagação do vírus. Atualmente há um número substancial de testes para o diagnóstico da COVID-19, os quais são divididos em duas grandes classes: os testes moleculares e os sorológicos.

Até o momento, a reação em cadeia da polimerase (RT-PCR, do inglês reverse-transcriptase polymerase chain reaction) tem sido empregada como principal teste molecular para diagnóstico da COVID-19, sendo classificada como padrão ouro segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).1 Neste teste, a partir de uma amostra obtida pela inserção de um cotonete na cavidade nasal do indivíduo, é feita a replicação (cópias) do material genético presente na secreção coletada, permitindo a detecção do vírus SARS-CoV-2.

Os kits de diagnóstico baseados em PCR disponíveis no mercado são altamente específicos e sensíveis. Isso quer dizer que detectam precisamente o vírus em baixas quantidades, mas possuem limitações relevantes como o tempo de resposta, que pode variar de 24 a 72 horas.2 Devido à alta carga de trabalho dos analistas e à escassez de reagentes durante o estágio epidêmico, os testes de PCR são realizados, principalmente, em pacientes com sintomas agudos da COVID-19.3 No entanto, é sabido que uma fração significativa de indivíduos infectados permanece assintomática (não apresenta sintomas evidentes) e constitui um risco de disseminar a infecção, dada a natureza altamente contagiosa do vírus.4

Em outra vertente, quando uma pessoa é infectada pelo SARS-CoV-2, vírus da COVID-19, seu sistema imunológico reconhece o invasor como um corpo estranho e desencadeia uma resposta que terá como resultado a produção de anticorpos, as chamadas imunoglobulinas (Igs). Existem vários tipos de Igs, dentre elas a IgM, a IgA e a IgG. Logo após a infecção, há um período chamado de janela imunológica, que consiste no tempo que o organismo leva para produzir anticorpos específicos, indo de poucos dias a semanas. Estudos mostram que a IgA, e mais comumente a IgM, geralmente são produzidas de 5 a 8 dias após a infecção 5–7 fornecendo as primeiras linhas de defesa, indicando exposição recente ao SARS-CoV-2. Em seguida, respostas adaptativas caracterizadas pela presença de IgG, que geralmente são produzidas 10 a 15 dias após a infecção, 5–7 são responsáveis pela memória imunológica e “imunidade de longo prazo”, indicando que a exposição ao vírus ocorreu há algum tempo. Portanto, quando se fala em testes que detectam anticorpos (os testes sorológicos ou os famosos testes rápidos), a interpretação do resultado obtido deve ser feita conforme demonstrado no quadro abaixo:

Interpretação dos testes rápidos (sorológicos)*

*Alguns testes utilizam IgA ao invés de IgM, outros empregam ambas (IgA e IgM). Nestes dois casos, a interpretação deve ser feita de maneira semelhante à demonstrada no quadro.

É importante mencionar que, apesar dos anticorpos (IgG) permanecerem no organismo após a infecção, ainda não há comprovação científica de que o indivíduo adquiriu imunização permanente, ou seja, até o momento não se tem certeza sobre a possibilidade de reinfecção pelo SARS-CoV-2.

Independentemente da doença se manifestar de forma grave, leve ou assintomática, a presença de anticorpos indica que uma pessoa foi infectada pelo vírus SARS-CoV-2. Além disso, devido à simplicidade, rapidez e custo reduzido em comparação aos ensaios moleculares, os testes sorológicos são mais factíveis de serem explorados com finalidade de testagem em massa da população.2 Porém, apesar de práticos, tais testes apresentam precisão questionável, sendo relatado, por exemplo, um percentual considerável de falsos negativos (quando o teste informa que o indivíduo não tem a doença, quando na verdade tem). Com o propósito de traçarmos um perfil de resposta para ambos os testes, no quadro abaixo estão inseridas as principais vantagens e desvantagens de cada um.

Análise comparativa entre RT-PCR e teste sorológico

Como observado, o teste RT-PCR é mais demorado, pois, além da etapa de transporte da amostra para um laboratório apropriado, a análise em si dispende tempo considerável. Como o teste RT-PCR reconhece o vírus, se a pessoa já foi curada o resultado será negativo, o que dificulta a identificação de pessoas que já se curaram da doença, visto que não possuem mais o vírus no organismo. Por sua vez, o teste sorológico não é efetivo no início da infecção, que pode compreender a fase aguda e sintomática da doença, pois é preciso esperar a janela imunológica. Neste contexto, fica evidente que ambos os testes são fundamentalmente importantes e atuam de forma complementar para um diagnóstico mais efetivo da COVID-19.

 

Pelo Prof. Dr. Dênio Emanuel Pires Souto – Departamento de Química/UFPR

Link site do grupo de pesquisa: https://laesbufpr.blogspot.com/

Link currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0601403644789424

 

Referências

  1. Mahapatra, S. & Chandra, P. Clinically practiced and commercially viable nanobio engineered analytical methods for COVID-19 diagnosis. Biosens. Bioelectron. 165, 112361 (2020).
  2. Green, K., Graziadio, S., Turner, P., Fanshawe, T. & Allen, J. Molecular and antibody point-of-care tests to support the screening, diagnosis and monitoring of COVID-19. www.cebm.net/oxford-covid-19/ (2020).
  3. Seo, G. et al. Rapid Detection of COVID-19 Causative Virus (SARS-CoV-2) in Human Nasopharyngeal Swab Specimens Using Field-Effect Transistor-Based Biosensor. ACS Nano (2020) doi:10.1021/acsnano.0c02823.
  4. Ai, T. et al. Correlation of Chest CT and RT-PCR Testing in Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in China: A Report of 1014 Cases. Radiology 200642 (2020) doi:10.1148/radiol.2020200642.
  5. Cui, F. & Zhou, H. S. Diagnostic methods and potential portable biosensors for coronavirus disease 2019. Biosens. Bioelectron. 165, 112349 (2020).
  6. Li, C. et al. Laboratory diagnosis of coronavirus disease-2019 (COVID-19). Clinica Chimica Acta vol. 510 35–46 (2020).
  7. Ravi, N., Lee Cortade, D., Ng, E. & Wang, S. X. Diagnostics for SARS-CoV-2 detection: A comprehensive review of the FDA-EUA COVID-19 testing landscape. Biosens. Bioelectron. 165, 112454 (2020).

 

 

Compostos antirretrovirais no combate à AIDS e à COVID-19

Em junho de 1981, nos Estados Unidos, cinco jovens foram diagnosticados com uma infecção pulmonar rara. O que chamou a atenção do mundo foi o fato de todos eles serem considerados saudáveis e, naquele momento, portadores de uma infecção comum em idosos. Foram os primeiros relatos das complicações decorrentes de uma doença que viria a ser conhecida como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Nos anos seguintes, o que se viu foi uma corrida na busca de diagnóstico e tratamento de portadores do HIV no mundo todo.

Os vírus são agentes infecciosos invasivos que têm como material genético DNA (adenovírus) ou RNA (retrovírus). Um ou outro, nunca os dois. Os adenovírus causam doenças como influenza e herpes, enquanto os retrovírus estão envolvidos em doenças como a AIDS e a COVID-19. Por serem estrutural e funcionalmente simples, os vírus precisam utilizar a maquinaria bioquímica de uma célula hospedeira para se multiplicarem, num processo chamado de replicação. Esse processo pode ser resumido nas seguintes etapas:

  1. Uma vez no organismo humano, o vírus precisa invadir as células e, para isso, ocorre uma interação entre duas proteínas: uma glicoproteína viral e uma proteína humana, esta última chamada de CCR5, que se localiza nos receptores de células T.
  2. Depois disso, uma proteína do vírus dá início à fusão com a membrana da célula que será invadida.
  3. Quando o vírus enfim entra na célula, ocorre a liberação do RNA viral no citoplasma. Esse RNA será transcrito para gerar DNA pela ação de uma enzima viral chamada transcriptase reversa. Essa etapa define a classe do vírus como retrovírus, por produzir DNA a partir de RNA, o que é o contrário (retro) do comumente observado nas células.
  4. Na sequência, o DNA viral é incorporado ao genoma do hospedeiro em um processo mediado por outra enzima viral, a integrase.
  5. A partir desta etapa, a maquinaria bioquímica da célula infectada passará a sintetizar RNA viral. Além disso, as enzimas (transcriptase reversa, integrase, proteases) e poliproteínas serão quebradas em estruturas menores, por proteases virais, para formar a estrutura de um novo vírus.
  6. No final do processo, novos envelopes virais com material genético, enzimas e demais proteínas serão expelidos da célula (ou seja, a célula invadida terá fabricado outras cópias do vírus) para iniciar o processo de invasão e replicação em outros hospedeiros.

Figura: Etapas do ciclo de invasão de uma célula humana por um retrovírus, e os possíveis alvos biológicos para o tratamento da AIDS

Fonte: mestranda Tay Zugman

Uma das alternativas para o combate aos retrovírus, como o HIV, é o uso de compostos antirretrovirais, cuja ação é voltada para a interrupção de uma, ou mais do que uma, das etapas citadas acima. As principais classes de retrovirais são:

INIBIDORES DE FUSÃO (IF)

São compostos que atuam na glicoproteína viral, mudando a sua estrutura e impedindo o seu reconhecimento pelos receptores das células humanas. Em consequência disso, a etapa de fusão e a entrada do vírus na célula não ocorrem. Exemplo: Enfuvirtida.

INIBIDORES DO RECEPTOR DE CCR5 (IC)

Atuam no receptor da célula humana. O composto se liga ao receptor CCR5, ocupando o “lugar” em que o vírus se ligaria. Dessa forma, a interação vírus-célula não ocorre, o que impede a infecção. Exemplo: Maraviroque.

INIBIDORES DE TRANSCRIPTASE REVERSA (ITR)

Esses inibidores agem sobre as transcriptases reversas, enzimas que produzem DNA complementar a partir da transcrição do RNA. Em consequência desta ação, a replicação do vírus não ocorre. Essa classe é subdividida em Inibidores de Transcriptase Reversa Nucleosídicos (ITRN) e Inibidores de Transcriptase Reversa Nucleosídicos (ITRNN). Exemplos: ITRNZidovudina (AZT); Lamivudina (3TC); Abacavir; Tenofovir (TDF); Didanosina. ITRNN: Efavirenz (EFV); Nevirapina (NVP).

INIBIDORES DE INTEGRASES (II)

Agem sobre a enzima que faz a incorporação do DNA viral ao humano, impedindo a replicação da informação genética do vírus pela célula infectada. Exemplos: Raltegravir; Elvitegravir.

INIBIDORES DE PROTEASES (IP)

Inibem as proteases virais que agem sobre as poliproteínas, evitando a produção de novos vírus. Exemplos: Ritonavir, Lopinavir, Atazanavir.

 

Mais recentemente outro retrovírus tem assolado o mundo, causando a pandemia da COVID-19 (coronavirus disease 2019). Neste contexto, o novo coronavírus SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) tornou-se alvo de pesquisa em uma nova corrida para o desenvolvimento de testes diagnósticos e, principalmente, o tratamento da doença. O vírus não escolhe seus hospedeiros, e a prevenção é uma responsabilidade de todos. As soluções, por outro lado, serão produzidas por cientistas das áreas da saúde, biologia e química em um trabalho colaborativo cujo sucesso será convertido no bem de todos. É por isso que os investimentos em ciência e tecnologia são imprescindíveis.

Saiba mais:

https://www.thebodypro.com/article/the-evolution-of-antiretroviral-therapy-past-prese

https://www.avert.org/professionals/history-hiv-aids/overview

https://www.webmd.com/hiv-aids/hiv-treatment-history

http://www.sbac.org.br/blog/2020/03/30/diagnostico-laboratorial-do-coronavirus-sars-cov-2-causador-da-covid-19/

 

Texto pelo Prof. Dr. Leandro Piovan

Departamento de Química da UFPR

http://lattes.cnpq.br/7970123473558508

 

 

Ilustração pela Mestranda Tay Zugman – Programa de Pós-Graduação em Química da UFPR

 

Ciência e indústria: aliança perfeita para o desenvolvimento de revestimentos antivirais

Foto: Novo Coronavirus SARS-CoV-2 – Imagem de microscopia eletrônica de transmissão de partícula viral isolada de um paciente. Imagem original do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas do Governo dos USA.

O contágio pela COVID-19 muitas vezes se dá através de pequenas gotículas provenientes do nariz ou da boca da pessoa infectada, que, após uma tosse ou espirro, ou mesmo durante a fala, se depositam em superfícies e se tornam um perigo para todos ao seu redor. Hoje, quatro meses depois que a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia da COVID-19, esta informação está bastante difundida.

E se as próprias superfícies possuíssem a capacidade de inativar o vírus? Pensando em soluções para diminuir a taxa de transmissão do novo coronavírus SARS-CoV-2 e, consequentemente, esta forma de contágio, o Instituto Senai de Inovação em Eletroquímica está apoiando indústrias brasileiras no desenvolvimento de revestimentos antivirais. Dois revestimentos estão sendo desenvolvidos em períodos muito curtos de tempo quando se considera que dependem de pesquisa científica e inovação, mas que são períodos cruciais quando procura respostas para situações complexas, de crise, como a que estamos vivendo.

Um deles será um revestimento antiviral de fácil manuseio e aplicação por spray, sem que haja a necessidade de um preparo prévio da superfície. Com estas características, ele poderá ser usado em superfícies como maçanetas, mesas e bancadas, balcões de atendimento, corrimões de escadas e corredores, entre outras. Para a obtenção da formulação adequada, estão sendo utilizadas diferentes tecnologias para a ancoragem de nanopartículas de prata, que são as protagonistas destas “superfícies antivirais”. Deve-se observar que as bases poliméricas formadoras dos filmes de recobrimento precisam conferir característica não tóxica ao revestimento funcional, bem como apresentar resistência à abrasão. O resultado destes estudos será entregue à indústria até o final de novembro de 2020, totalizando seis meses de desenvolvimento.

O segundo projeto é de um revestimento antiviral imobiliário, que pode ser utilizado em paredes de ambientes hospitalares ou locais com grande circulação de pessoas. A tinta imobiliária de alta performance, já comercializada pela empresa paranaense envolvida, ganhará funcionalidade antiviral por meio da incorporação de nanopartículas de cobre e de prata. O desafio está em definir a concentração ideal dos aditivos, para que haja compatibilidade química e estabilidade da suspensão de nanopartículas na tinta, de forma a não interferir nas propriedades originais do produto. Este projeto está em fase final e será entregue à empresa até o final de setembro, totalizando quatro meses de desenvolvimento.

Ambas as tecnologias atuam pelo mecanismo, ainda não completamente elucidado para a classe viral de micro-organismos, de inativação do SARS-CoV-2 pela interação com a proteína S do envelope viral, fazendo com que o sítio desta proteína que faria a ligação com as células humanas esteja ocupado e inativo.

Estes projetos são exemplos claros de que a inovação é essencial para fomentar a atividade econômica industrial nacional, gerando renda e empregos, de forma responsável, protegendo ao mesmo tempo a saúde e o bem estar das pessoas. Desta forma, incorporar funcionalidade antiviral a tintas e revestimentos torna mais eficiente a principal estratégia de combate à COVID-19, que é reduzir o número de pessoas infectadas em um curto espaço de tempo.

Com infraestrutura laboratorial e de recursos humanos altamente capacitados, o Instituto Senai de Inovação em Eletroquímica realiza pesquisa aplicada à indústria. Neste contexto, ele desenvolve produtos e processos inovadores, resultando em maior competitividade e sustentabilidade para diversos segmentos industriais, os quais podem ir da geração e do armazenamento de energia à produção de revestimentos inteligentes e à caracterização, monitoramento e controle da corrosão, passando pelo diagnóstico rápido de doenças e o monitoramento de bioprocessos. Atualmente somos uma unidade credenciada pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), o que está relacionado a uma alta qualidade de serviços, pesquisas e infraestrutura, e a um corpo técnico especializado e apto a atender as necessidades da indústria, com acesso a recursos financeiros que viabilizam os desenvolvimentos.

Pela Dra. Agne Roani de Carvalho Jorge (http://lattes.cnpq.br/3323584335424117)

Pesquisadora do Instituto Senai de Inovação em Eletroquímica

Responsável técnica pela área de Revestimentos Inteligentes

 

Legenda da foto: Novo Coronavirus SARS-CoV-2 – Imagem de microscopia eletrônica de transmissão de partícula viral isolada de um paciente. Imagem original do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas do Governo dos USA.