Pequeno no tamanho das coisas. Grande, majestoso, abrangente, admirável, pujante, nas oportunidades.
O século XX foi marcado por grandes revoluções científicas. De fato, o ser humano aprendeu mais sobre o universo, sobre a natureza e sobre si próprio nesse período de tempo do que em todo aquele que o precedeu, desde que a evolução possibilitou que a curiosidade passasse a ser parte das características do Homo sapiens, que culminou, inclusive, com o momento em que nossa espécie começou a dominar as outras, e, por conseguinte, ser soberana no planeta. Os conceitos da mecânica quântica e logo a seguir a teoria da relatividade causaram uma verdadeira revolução no conhecimento nos 20 primeiros anos do século XX, e a Nanociência e Nanotecnologia fizeram o mesmo nos últimos 20 anos.
A Nanociência e a Nanotecnologia são, respectivamente, a ciência e a tecnologia que têm como base a matéria em escala nanométrica. Os nomes são estranhos, mas o conceito é simples. Vamos primeiro entender o que é esse tal de Nano. Nano é um prefixo científico para algo muito, muito, muito pequeno. Tomando em conta a escala métrica de tamanho, o milímetro é 1000 vezes menor que o metro; o micrômetro é 1000 vezes menor que o milímetro; e o nanômetro é 1000 vezes menor que o micrômetro. Assim, algo que possui o tamanho de um nanômetro é 1 bilhão de vezes menor que 1 metro. Um nanômetro é a distância aproximada de somente 4 átomos enfileirados. Como foi dito antes, é algo pequeno mesmo.
Então, sabendo o que é o tal do nano, porque ele ficou famoso, a ponto de se arvorar a ser a comissão de frente da ciência e tecnologia, e criar uma nova revolução na maneira de enxergarmos o mundo? Precisamos entender um conceito básico da matéria, antes de nos aprofundarmos nesse ponto. Todo mundo se lembra: a matéria é tudo o que tem massa e ocupa lugar no espaço, ou seja, tudo o que existe. Quando a gente dá uma utilidade, uma função à matéria, ela passa a ser considerada um material. Um galho de árvore é matéria, até que seja retirado da árvore e usado com uma função específica, por exemplo, como pé de apoio em uma mesa. Pronto, demos uma função à matéria (galho), e ela se transformou num material (o pé da mesa).
No exemplo anterior, podemos fazer um pé de mesa com um galho de árvore, mas não podemos fazer um pé de mesa com as folhas das árvores. Isso porque a madeira possui uma propriedade de resistência mecânica, de rigidez, que possibilita seu uso como um pé de mesa – propriedade essa que a folha não tem. Por mais que tomemos uma folha grande, como a folha de uma bananeira, por exemplo, ela não tem resistência mecânica para suportar o peso de um tampo de uma mesa – mesmo se for um tampo feito de papel. Esse exemplo simples nos mostra uma relação muito importante: usar a matéria como um material, ou seja, usar a matéria para alguma função, depende da propriedade que a matéria possui. E a propriedade depende da composição química (quais átomos e moléculas que a compõe) e da estrutura química (como esses átomos e essas moléculas interagem uns com os outros para formar aquela matéria). As propriedades das coisas, que fazem com que sejam úteis, dependem da sua natureza química e estrutural.
Acontece que se descobriu que a matéria, quando está na escala nanométrica de tamanho, apresenta um comportamento bem diferente de quando ela está crescidinha, normal, da forma que a conhecemos. Ou seja, a propriedade da matéria na escala de tamanho dos nanômetros difere das propriedades da mesmíssima matéria em escala de tamanho convencional. Ou em outras palavras, as propriedades da matéria, que até então se achava que dependiam somente da composição e estrutura química, dependem também do tamanho das unidades que originam a matéria. Um exemplo? Você já viu ouro vermelho? Já viu ouro verde? Já viu ouro azul? Pois eles existem. Não se trata de ouro tingido, se trata de ouro, do jeitinho que você conhece (para sermos mais rigorosos, contendo exatamente a mesma composição e estrutura química), mas formados por partículas na escala nanométrica. A propriedade (cor) mudou drasticamente somente pelo fato do ouro ser formado por partículas pequeninas, na escala dos nanômetros. Essa constatação revolucionou o conhecimento, lá nos últimos 20 anos do século XX, e criou um novo ramo do conhecimento: a ciência da matéria em escala nanométrica – a Nanociência. E usar os materiais produzidos nessa escala de tamanho (os nanomateriais) para alguma coisa aplicável, ou seja, fazer a tecnologia dos nanomateriais, deu origem à Nanotecnologia. E as clássicas e conhecidas áreas do saber, quando voltadas a usar seu cabedal de conhecimento para estudar aspectos relacionados à Nanociência e Nanotecnologia, ganharam também o prefixo nano em sua descrição. Assim, apareceu a Nanoquímica, a Nanobiologia, a Nanofísica, a Nanoengenharia, a Nanomedicina, a Nanoagricultura, e por aí afora.
Dentre os muitos avanços da Nanociência, destaca-se o desenvolvimento de equipamentos científicos cada vez mais sofisticados, como microscópios extremamente poderosos, que nos permitem enxergar a matéria nessa escala tão diminuta de tamanho. Hoje se consegue facilmente enxergar átomos individuais em uma estrutura química, enxergar ligações químicas, e os intermediários de uma reação. O outro destaque, com o mesmo grau de importância, foi o desenvolvimento de rotas para preparar materiais tão pequenos, que permanecem estáveis para que possam ser usados no dia a dia. O problema é que a natureza não gosta de deixar as coisas assim, pequenas, e a tendência natural e espontânea (conhecida em ciência como termodinâmica) é que quando a gente prepara qualquer tipo de material, eles cresçam formando partículas muito maiores que as nanométricas. A química, como uma ciência central no conhecimento humano, tem um papel não menos primordial nessa nova realidade, desenvolvendo estratégias de preparação de nanomateriais que conseguem driblar essa tendência natural da termodinâmica, produzindo materiais dos mais diferentes tipos em escala nanométrica. Pronto. Saber fazer e saber enxergar (caracterizar) nanomateriais, os passos iniciais para poder usá-los em dispositivos, sistemas, máquinas, processos, etc.
O impacto da Nanociência e Nanotecnologia nas nossas vidas foi (e vem sendo) enorme. Novos materiais, com propriedades até então inimagináveis, vêm sendo preparados e aplicados nos mais diversos segmentos da vida humana. Não há um único ramo de atividade que não tenha sido profundamente afetado por essa revolução. Produtos com base nanotecnológica vêm invadindo nossas vidas e proporcionando facilidades que seriam inimagináveis há alguns poucos anos atrás – nos últimos anos do século XX, por exemplo. Novos eletrodomésticos, cosméticos, materiais esportivos, eletroeletrônicos, produtos de beleza, novos fármacos e medicamentos, novos produtos na agricultura, novos materiais cirúrgicos, materiais para proteção individual, novos materiais para aplicação no setor automotivo, novos catalisadores para facilitarem a produção de insumos químicos mais baratos e com menor consumo de energia, novas baterias, painéis solares, tintas e materiais para revestimentos e proteção, novos materiais e utensílios para a construção civil, novos materiais para a indústria naval e da aviação, para extração e processamento de petróleo, enfim, onde há desafio científico e tecnológico, lá está a Nanociência e a Nanotecnologia.
Logicamente que em plena pandemia de COVID-19 não seria diferente. Muitas vacinas que vêm sendo estudadas recentemente lançam mão de algum avanço nanotecnológico em sua concepção, como por exemplo a vacina que vem sendo proposta no Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Paraná, que tem proteínas adsorvidas em nanopartículas de um material polimérico como vetores ativos. Mas além das vacinas, há ações envolvendo a Nanociência e Nanotecnologia em praticamente todas as frentes de trabalho para que se consiga controlar e minimizar os efeitos terríveis que essa pandemia tem causado: nanoestruturas em componentes ativos de novos fármacos para combater o vírus; nanomateriais em novos testes que permitem o diagnóstico da doença em menor tempo, com maior confiabilidade e menor custo (a UFPR e outras Universidades brasileiras têm dado contribuições importantíssimas nessa direção); novos nanomateriais incorporados aos tecidos das máscaras para impedir a chegada do vírus ao sistema respiratório, ou atuando como agentes antivirais que matam o vírus ao entrar em contato; e muitas outras ações.
Como foi dito no início desse texto, foi um fantástico grande mundo das coisas pequenas que se abriu, em um caminho irreversível, sendo mais um importante tijolo na construção do conhecimento que a humanidade vem realizando desde seus primórdios. E o interessante é que a compreensão dos fenômenos que dão origem à Nanociência e Nanotecnologia depende fundamentalmente dos conhecimentos gerados pela mecânica quântica. Uma ligação direta entre os terremotos científicos do início e o fim do século passado.
O advento da Nanociência e Nanotecnologia deu uma nova roupagem ao clássico ditado popular que é nos pequenos frascos que se guardam os grandes perfumes. E desmoronou outro, provando que sim, aqui, tamanho é documento.
Prof. Dr. Aldo José Gorgatti Zarbin
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