Armas químicas: um perigo iminente

Aviso para agente químico neurotóxico

Guerra química: estamos seguros?  Estamos cercados por substâncias químicas produzidas em laboratórios ou isolados de fontes naturais. Há mais de 160 milhões de substâncias químicas registradas na base de dados do CAS (Chemical Abstracts Service),1 sendo cerca de 350 mil delas comerciais. Ainda que se almeje uma finalidade benéfica à humanidade para a maior parte dessas substâncias, existem vários produtos químicos extremamente perigosos.

Muitos produtos químicos podem desencadear dor e até alterar funções do sistema nervoso (neurotóxicos). Estes compostos podem estar presentes, por exemplo, na fumaça do churrasco ou em armas químicas. As armas químicas são conhecidas pelo seu grande poder de destruição: podem matar grandes populações num tempo muito curto e, comparativamente a uma guerra bélica, têm um custo menor (US$ 2000 / km2 para armas convencionais e US$ 600 para armas químicas).

O uso de armas químicas data de 1000 A.C. a partir do emprego de arsênio pelos chineses ou do envenenamento da água dos inimigos pelos gregos. Por anos, muitas civilizações do passado e países na configuração geopolítica atual vêm utilizando substâncias químicas como armas ou agentes de controle de distúrbios (por exemplo bromoacetato de etila como irritante sensorial pela polícia francesa em 1910). A guerra química tomou outra proporção quando os alemães empregaram cloro gasoso na Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial (1915). Estima-se que, no final da Primeira Guerra Mundial, mais de 1,3 milhão de vítimas e 100 mil mortes foram causadas por ataques químicos. Até então se empregava agentes irritantes, mas foi durante a Segunda Guerra Mundial que a maioria das armas químicas mais mortais – os agentes neurotóxicos – foi criada, destacando-se os agentes G (compostos desenvolvidos pelos alemães, sendo que G vem de German, que significa alemão/alemã em inglês). Na década de 1930, na busca por novos inseticidas, o alemão Gerhard Schrader acidentalmente sintetizou duas das armas químicas mais letais: Tabun e Sarin (Figura 1). Muito rapidamente, os militares alemães começaram a usar esses agentes como armas, inserindo-os em projéteis. No entanto, apesar desse arsenal nunca ter sido usado em ataques, ele se tornou uma ameaça iminente devido aos enormes estoques (cerca de 30.000 toneladas apenas de Tabun na Alemanha).

Após a Segunda Guerra Mundial, os agentes V (V de Venom, que significa veneno em inglês) – outra classe de agentes neurotóxicos – começaram a ser desenvolvidos. Inicialmente, o Reino Unido desenvolveu o agente VX, Figura 1 (1949), que foi amplamente produzido pelos EUA (1961). Na mesma época, a ex-União Soviética produziu outros agentes da classe V: os VX russos. Mais recentemente, entre os anos de 1970-1990, a Rússia desenvolveu os agentes A-Novichok, sobre o qual pairam muitas incertezas, mas que parecem estar entre os agentes neurotóxicos mais letais produzidos até agora. Desenvolvidos para serem indetectáveis e intratáveis (sem antídoto), sua produção fez parte de um programa ultrassecreto russo – FOLIANT. Nunca foram publicadas as estruturas químicas dessa classe de compostos, e existem apenas especulações quanto às suas identidades estruturais (Figura 1).

Figura 1 – Estruturas químicas de algumas armas químicas neurotóxicas.

Além das grandes guerras, infelizmente muitos outros episódios com armas químicas são conhecidos. O primeiro episódio de guerra confirmado em que houve ataque químico foi em 1984 pelos iraquianos contra tropas iranianas, usando Tabun. Mais recentemente, o uso de Sarin vem sendo confirmado na guerra civil da Síria (em diversos episódios desde 2013). Infelizmente, além dos objetivos de guerra, as armas químicas também têm sido amplamente utilizadas no terrorismo pelo seu baixo custo e alto poder de destruição. Em 1994 e 1995, por exemplo, houve dois ataques terroristas com Sarin no Japão, sendo o último numa estação de metrô que causou 12 mortes e milhares de feridos. Em 2017, o meio-irmão do ditador Kim Jong-Un da Coreia do Norte foi assassinado com o agente VX em um aeroporto internacional da Malásia. Já em 2018, houve uma tentativa de assassinato de um ex-espião russo e sua filha numa área residencial do Reino Unido, usando o controverso agente Novichok. Mais recentemente, em agosto de 2020, um político russo foi supostamente envenenado com Novichok na Sibéria.

Buscando a paz mundial, a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW-Haia, Holanda), está comprometida com questões de segurança envolvendo armas químicas e, por isso, recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2013. A OPCW implementa uma convenção mundial – assinada pela maioria dos países, cobrindo 98% da população mundial (quatro países ainda não fazem parte: Angola, Egito, Coréia do Norte e Sudão do Norte) e atua na proibição do desenvolvimento, produção, armazenamento e uso de armas químicas, bem como na sua destruição. Atualmente, sob os cuidados da OPCW, 98% de todo o estoque declarado foi destruído. Além disso, a Organização também atua na assistência e proteção, nas inspeções e no desenvolvimento de estratégias de segurança química.

As inspeções são fundamentais para garantir que a convenção seja mantida. Elas ocorrem principalmente em bases militares e indústrias (com consentimento dos estados-membros), visto serem focos principais da produção de precursores, agentes potencialmente nocivos, e até de armas químicas. Além disso, as inspeções ocorrem em casos de ataques em regiões com tensões, bem como em casos envolvendo atividades terroristas/envenenamentos ou para confirmar os episódios e rastrear a origem das armas químicas usadas.

O Brasil, apesar de não ter produção nem estoques de armas químicas declaradas, sempre esteve envolvido em promover a segurança química, muito devido à sua forte indústria. Além disso, tem atuado na prevenção de emergências químicas como ataques terroristas. O Brasil foi um dos primeiros países a assinar a convenção da OPCW e inclusive teve um brasileiro como diretor geral dessa organização – José Mauricio Bustani – por duas gestões consecutivas (1997-2002). Muitas das iniciativas que levaram a OPCW a receber o prêmio Nobel da Paz se devem às ações conduzidas por Bustani.

Mas, afinal, como funcionam as armas químicas neurotóxicas e por que são tão temidas? Elas atuam inibindo a enzima acetilcolinesterase. Em consequência desta inibição, acumula-se uma substância chamada acetilcolina, um importante neurotransmissor, o que leva a uma estimulação excessiva do sistema nervoso. Isso pode levar a sintomas como dor abdominal, salivação excessiva, convulsões, tremores, taquicardia, hipertensão e até parada respiratória. Os sintomas por intoxicação com armas químicas começam quando a quantidade de enzima inibida está em cerca de 50% e pode levar à morte quando esse número chega a 90%. O agente VX, por exemplo, é conhecido pela sua alta toxicidade, sendo que a dose letal em contato com a pele de um ser humano de 70 kg é de 0,01 g (10 miligramas), o que corresponde a menos de uma gota do composto. Quando inalado, sua toxicidade é muito maior, com dose letal de apenas 0,0004 g, portanto 100 vezes menor do que na absorção através da pele. Ainda, muitos danos causados em longo prazo também são observados, mesmo com exposição a pequenas quantidades dessas substâncias. Existem alguns tratamentos e antídotos, que atuam de forma a reativar a enzima inibida e mitigar os sintomas. Infelizmente estes também apresentam efeitos colaterais e nem sempre são eficientes.

É curioso que a forma de atuação de armas químicas nos seres humanos é similar à atuação de agrotóxicos em insetos. Não por acaso, as armas químicas têm muito em comum com agrotóxicos, começando pela sua origem.

É fato! As armas químicas continuam sendo uma ameaça iminente nos dias atuais, não se restringindo apenas a regiões de tensão. Seu uso pode ocorrer até mesmo em regiões consideradas seguras, sem distúrbios políticos/civis preocupantes como, por exemplo, em episódios de envenenamento e ataques terroristas. Nesse sentido, a ciência é a maior aliada para promover a segurança química, inovando em procedimentos de neutralização e destruição mais seguros e eficientes. Por exemplo, quando uma ogiva contendo uma arma química é abandonada e localizada, graças à ciência hoje sabemos como garantir a sua eliminação com segurança, levando a resíduos não tóxicos. Um exemplo interessante de destruição destes compostos envolve nanomotores reutilizáveis que conseguem neutralizar um meio contaminado.

A ciência também tem mostrado como monitorar a presença desses compostos no meio ambiente, mesmo em quantidades muito pequenas, seja em centros urbanos ou de conflitos, e também em amostras humanas (sangue, saliva, etc.) a fim de confirmar ou alertar sobre ataques. Por exemplo, sensores na forma de tatuagens vêm sendo desenvolvidos. A ciência atua ainda no rastreamento de desastres químicos, desde os acidentais (por exemplo, em indústrias) até os terroristas. Hoje é possível rastrear a origem, o país, de onde uma substância química tóxica veio. Além disso, os tratamentos para intoxicação também são frutos de muita pesquisa científica. Existem inclusive géis e roupas que conseguem decompor os agentes tóxicos quando entram em contato com eles.

Certamente a Ciência trabalha em prol de promover a paz mundial. Por mais que pessoas mal intencionadas tenham desenvolvido as armas químicas, só a Ciência consegue combater esse perigo iminente.

Referências

1          https://www.cas.org/support/documentation/chemical-substances. Acessado em 14/10/2020.

 

Pela Profa. Dra. Elisa Souza Orth

Link para o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0659633505350112

Diagnóstico da COVID-19. Quais os principais testes disponíveis? Como interpretá-los?

Diagnóstico da COVID-19. Quais os principais testes disponíveis? Como interpretá-los?

A COVID-19, doença que impôs uma nova realidade a milhões de pessoas pelo mundo, assusta não só pela velocidade de contágio, mas também pelo elevado número de óbitos contabilizados até o momento. Diante da pandemia, uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) é a testagem da população em larga escala. O diagnóstico preciso e precoce da doença desempenha um papel decisivo na tomada de decisões pelos profissionais da saúde, garantindo o tratamento adequado e o isolamento das pessoas infectadas, e retardando ou, até mesmo, impedindo a propagação do vírus. Atualmente há um número substancial de testes para o diagnóstico da COVID-19, os quais são divididos em duas grandes classes: os testes moleculares e os sorológicos.

Até o momento, a reação em cadeia da polimerase (RT-PCR, do inglês reverse-transcriptase polymerase chain reaction) tem sido empregada como principal teste molecular para diagnóstico da COVID-19, sendo classificada como padrão ouro segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).1 Neste teste, a partir de uma amostra obtida pela inserção de um cotonete na cavidade nasal do indivíduo, é feita a replicação (cópias) do material genético presente na secreção coletada, permitindo a detecção do vírus SARS-CoV-2.

Os kits de diagnóstico baseados em PCR disponíveis no mercado são altamente específicos e sensíveis. Isso quer dizer que detectam precisamente o vírus em baixas quantidades, mas possuem limitações relevantes como o tempo de resposta, que pode variar de 24 a 72 horas.2 Devido à alta carga de trabalho dos analistas e à escassez de reagentes durante o estágio epidêmico, os testes de PCR são realizados, principalmente, em pacientes com sintomas agudos da COVID-19.3 No entanto, é sabido que uma fração significativa de indivíduos infectados permanece assintomática (não apresenta sintomas evidentes) e constitui um risco de disseminar a infecção, dada a natureza altamente contagiosa do vírus.4

Em outra vertente, quando uma pessoa é infectada pelo SARS-CoV-2, vírus da COVID-19, seu sistema imunológico reconhece o invasor como um corpo estranho e desencadeia uma resposta que terá como resultado a produção de anticorpos, as chamadas imunoglobulinas (Igs). Existem vários tipos de Igs, dentre elas a IgM, a IgA e a IgG. Logo após a infecção, há um período chamado de janela imunológica, que consiste no tempo que o organismo leva para produzir anticorpos específicos, indo de poucos dias a semanas. Estudos mostram que a IgA, e mais comumente a IgM, geralmente são produzidas de 5 a 8 dias após a infecção 5–7 fornecendo as primeiras linhas de defesa, indicando exposição recente ao SARS-CoV-2. Em seguida, respostas adaptativas caracterizadas pela presença de IgG, que geralmente são produzidas 10 a 15 dias após a infecção, 5–7 são responsáveis pela memória imunológica e “imunidade de longo prazo”, indicando que a exposição ao vírus ocorreu há algum tempo. Portanto, quando se fala em testes que detectam anticorpos (os testes sorológicos ou os famosos testes rápidos), a interpretação do resultado obtido deve ser feita conforme demonstrado no quadro abaixo:

Interpretação dos testes rápidos (sorológicos)*

*Alguns testes utilizam IgA ao invés de IgM, outros empregam ambas (IgA e IgM). Nestes dois casos, a interpretação deve ser feita de maneira semelhante à demonstrada no quadro.

É importante mencionar que, apesar dos anticorpos (IgG) permanecerem no organismo após a infecção, ainda não há comprovação científica de que o indivíduo adquiriu imunização permanente, ou seja, até o momento não se tem certeza sobre a possibilidade de reinfecção pelo SARS-CoV-2.

Independentemente da doença se manifestar de forma grave, leve ou assintomática, a presença de anticorpos indica que uma pessoa foi infectada pelo vírus SARS-CoV-2. Além disso, devido à simplicidade, rapidez e custo reduzido em comparação aos ensaios moleculares, os testes sorológicos são mais factíveis de serem explorados com finalidade de testagem em massa da população.2 Porém, apesar de práticos, tais testes apresentam precisão questionável, sendo relatado, por exemplo, um percentual considerável de falsos negativos (quando o teste informa que o indivíduo não tem a doença, quando na verdade tem). Com o propósito de traçarmos um perfil de resposta para ambos os testes, no quadro abaixo estão inseridas as principais vantagens e desvantagens de cada um.

Análise comparativa entre RT-PCR e teste sorológico

Como observado, o teste RT-PCR é mais demorado, pois, além da etapa de transporte da amostra para um laboratório apropriado, a análise em si dispende tempo considerável. Como o teste RT-PCR reconhece o vírus, se a pessoa já foi curada o resultado será negativo, o que dificulta a identificação de pessoas que já se curaram da doença, visto que não possuem mais o vírus no organismo. Por sua vez, o teste sorológico não é efetivo no início da infecção, que pode compreender a fase aguda e sintomática da doença, pois é preciso esperar a janela imunológica. Neste contexto, fica evidente que ambos os testes são fundamentalmente importantes e atuam de forma complementar para um diagnóstico mais efetivo da COVID-19.

 

Pelo Prof. Dr. Dênio Emanuel Pires Souto – Departamento de Química/UFPR

Link site do grupo de pesquisa: https://laesbufpr.blogspot.com/

Link currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0601403644789424

 

Referências

  1. Mahapatra, S. & Chandra, P. Clinically practiced and commercially viable nanobio engineered analytical methods for COVID-19 diagnosis. Biosens. Bioelectron. 165, 112361 (2020).
  2. Green, K., Graziadio, S., Turner, P., Fanshawe, T. & Allen, J. Molecular and antibody point-of-care tests to support the screening, diagnosis and monitoring of COVID-19. www.cebm.net/oxford-covid-19/ (2020).
  3. Seo, G. et al. Rapid Detection of COVID-19 Causative Virus (SARS-CoV-2) in Human Nasopharyngeal Swab Specimens Using Field-Effect Transistor-Based Biosensor. ACS Nano (2020) doi:10.1021/acsnano.0c02823.
  4. Ai, T. et al. Correlation of Chest CT and RT-PCR Testing in Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in China: A Report of 1014 Cases. Radiology 200642 (2020) doi:10.1148/radiol.2020200642.
  5. Cui, F. & Zhou, H. S. Diagnostic methods and potential portable biosensors for coronavirus disease 2019. Biosens. Bioelectron. 165, 112349 (2020).
  6. Li, C. et al. Laboratory diagnosis of coronavirus disease-2019 (COVID-19). Clinica Chimica Acta vol. 510 35–46 (2020).
  7. Ravi, N., Lee Cortade, D., Ng, E. & Wang, S. X. Diagnostics for SARS-CoV-2 detection: A comprehensive review of the FDA-EUA COVID-19 testing landscape. Biosens. Bioelectron. 165, 112454 (2020).