Em junho de 1981, nos Estados Unidos, cinco jovens foram diagnosticados com uma infecção pulmonar rara. O que chamou a atenção do mundo foi o fato de todos eles serem considerados saudáveis e, naquele momento, portadores de uma infecção comum em idosos. Foram os primeiros relatos das complicações decorrentes de uma doença que viria a ser conhecida como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Nos anos seguintes, o que se viu foi uma corrida na busca de diagnóstico e tratamento de portadores do HIV no mundo todo.
Os vírus são agentes infecciosos invasivos que têm como material genético DNA (adenovírus) ou RNA (retrovírus). Um ou outro, nunca os dois. Os adenovírus causam doenças como influenza e herpes, enquanto os retrovírus estão envolvidos em doenças como a AIDS e a COVID-19. Por serem estrutural e funcionalmente simples, os vírus precisam utilizar a maquinaria bioquímica de uma célula hospedeira para se multiplicarem, num processo chamado de replicação. Esse processo pode ser resumido nas seguintes etapas:
- Uma vez no organismo humano, o vírus precisa invadir as células e, para isso, ocorre uma interação entre duas proteínas: uma glicoproteína viral e uma proteína humana, esta última chamada de CCR5, que se localiza nos receptores de células T.
- Depois disso, uma proteína do vírus dá início à fusão com a membrana da célula que será invadida.
- Quando o vírus enfim entra na célula, ocorre a liberação do RNA viral no citoplasma. Esse RNA será transcrito para gerar DNA pela ação de uma enzima viral chamada transcriptase reversa. Essa etapa define a classe do vírus como retrovírus, por produzir DNA a partir de RNA, o que é o contrário (retro) do comumente observado nas células.
- Na sequência, o DNA viral é incorporado ao genoma do hospedeiro em um processo mediado por outra enzima viral, a integrase.
- A partir desta etapa, a maquinaria bioquímica da célula infectada passará a sintetizar RNA viral. Além disso, as enzimas (transcriptase reversa, integrase, proteases) e poliproteínas serão quebradas em estruturas menores, por proteases virais, para formar a estrutura de um novo vírus.
- No final do processo, novos envelopes virais com material genético, enzimas e demais proteínas serão expelidos da célula (ou seja, a célula invadida terá fabricado outras cópias do vírus) para iniciar o processo de invasão e replicação em outros hospedeiros.
Figura: Etapas do ciclo de invasão de uma célula humana por um retrovírus, e os possíveis alvos biológicos para o tratamento da AIDS
Fonte: mestranda Tay Zugman
Uma das alternativas para o combate aos retrovírus, como o HIV, é o uso de compostos antirretrovirais, cuja ação é voltada para a interrupção de uma, ou mais do que uma, das etapas citadas acima. As principais classes de retrovirais são:
INIBIDORES DE FUSÃO (IF)
São compostos que atuam na glicoproteína viral, mudando a sua estrutura e impedindo o seu reconhecimento pelos receptores das células humanas. Em consequência disso, a etapa de fusão e a entrada do vírus na célula não ocorrem. Exemplo: Enfuvirtida.
INIBIDORES DO RECEPTOR DE CCR5 (IC)
Atuam no receptor da célula humana. O composto se liga ao receptor CCR5, ocupando o “lugar” em que o vírus se ligaria. Dessa forma, a interação vírus-célula não ocorre, o que impede a infecção. Exemplo: Maraviroque.
INIBIDORES DE TRANSCRIPTASE REVERSA (ITR)
Esses inibidores agem sobre as transcriptases reversas, enzimas que produzem DNA complementar a partir da transcrição do RNA. Em consequência desta ação, a replicação do vírus não ocorre. Essa classe é subdividida em Inibidores de Transcriptase Reversa Nucleosídicos (ITRN) e Inibidores de Transcriptase Reversa Nucleosídicos (ITRNN). Exemplos: ITRN – Zidovudina (AZT); Lamivudina (3TC); Abacavir; Tenofovir (TDF); Didanosina. ITRNN: Efavirenz (EFV); Nevirapina (NVP).
INIBIDORES DE INTEGRASES (II)
Agem sobre a enzima que faz a incorporação do DNA viral ao humano, impedindo a replicação da informação genética do vírus pela célula infectada. Exemplos: Raltegravir; Elvitegravir.
INIBIDORES DE PROTEASES (IP)
Inibem as proteases virais que agem sobre as poliproteínas, evitando a produção de novos vírus. Exemplos: Ritonavir, Lopinavir, Atazanavir.
Mais recentemente outro retrovírus tem assolado o mundo, causando a pandemia da COVID-19 (coronavirus disease 2019). Neste contexto, o novo coronavírus SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) tornou-se alvo de pesquisa em uma nova corrida para o desenvolvimento de testes diagnósticos e, principalmente, o tratamento da doença. O vírus não escolhe seus hospedeiros, e a prevenção é uma responsabilidade de todos. As soluções, por outro lado, serão produzidas por cientistas das áreas da saúde, biologia e química em um trabalho colaborativo cujo sucesso será convertido no bem de todos. É por isso que os investimentos em ciência e tecnologia são imprescindíveis.
Saiba mais:
https://www.thebodypro.com/article/the-evolution-of-antiretroviral-therapy-past-prese
https://www.avert.org/professionals/history-hiv-aids/overview
https://www.webmd.com/hiv-aids/hiv-treatment-history
Texto pelo Prof. Dr. Leandro Piovan
Departamento de Química da UFPR
http://lattes.cnpq.br/7970123473558508
Ilustração pela Mestranda Tay Zugman – Programa de Pós-Graduação em Química da UFPR