A importância das unidades de concentração durante a pandemia.

Em tempos de pandemia, é comum nos depararmos com uma série de informações pouco observadas no nosso dia a dia. Um exemplo bem claro disso são as diversas formas com que produtos contendo etanol (popularmente conhecido como álcool etílico) têm sido comercializados, seja na forma em gel ou mesmo na forma líquida. Antes da presença da COVID-19 em nossas vidas, apenas as formulações destinadas à limpeza doméstica eram vendidas. Estes produtos não são eficazes no combate ao coronavírus, pois a quantidade de etanol está abaixo da necessária para que o vírus seja inativado. Mas como saber qual produto comprar? Para responder a esta pergunta, devemos atentar para qual é a concentração de etanol em uma mistura hidroalcoólica.

A concentração de uma solução pode ser definida como a proporção entre as quantidades de soluto (etanol no nosso caso) e de solvente (frequentemente água). Esta proporção pode ser expressa de diferentes formas de acordo com as grandezas que conseguimos medir, como, por exemplo, massa, volume ou quantidade de matéria, sendo esta última mais adotada em estudos técnicos. Para cada tipo de relação que estabelecemos, definimos então a unidade de concentração. Uma unidade bem comum para as soluções de etanol é a porcentagem em massa, ou seja, a relação em massa entre o etanol e o solvente, também conhecido como grau INPM (Instituto Nacional de Pesos e Medidas). Então, quando nos referimos ao famoso “álcool 70”, este sim eficiente no combate ao coronavírus, estamos dizendo que, para cada 100 gramas desta solução, 70 gramas são de etanol ou, tecnicamente falando, temos uma solução de etanol 70 °INPM ou 70% em massa.

Apesar da concentração em massa ser a mais comum, outra forma bastante recorrente de se expressar a concentração de etanol em soluções hidroalcoólicas é a relação de volume. Essa unidade de medida é conhecida como “graus GL ou °GL” (a sigla GL significa Gay-Lussac – em homenagem ao físico e químico francês Louis Joseph Gay-Lussac). Nesse caso, o “álcool 70” (70° INPM) deveria ser chamado de “álcool 77”, o que na prática significa que uma solução 77 °GL contém 77 partes de etanol para cada 100 partes em volume da solução (Ex: 77 mL de etanol para cada 100 mL de solução). A relação em volume difere um pouquinho da relação em massa, por conta da contração de volume causada pela interação química entre etanol e água, além da diferença de densidade entre os dois líquidos.

Além destas unidades de concentração, outras podem aparecer nas prateleiras do supermercado, seja para o etanol ou mesmo para outros tipos de produto. É o caso de outro desinfetante bastante utilizado no combate ao coronavírus, a “cândida” ou água sanitária. Embora o princípio ativo destas soluções seja o hipoclorito de sódio (NaClO), sua forma mais comum de comercialização é como uma solução aquosa com concentração entre 2,0 e 2,5% em massa de cloro ativo (Cl2). A quantidade de cloro ativo é calculada a partir do seu equivalente em hipoclorito; é feito dessa forma para permitir a comparação entre o poder oxidante de vários compostos clorados. As semirreações de redução, tanto para o NaClO­­ como para o Cl2, envolvem o consumo de dois elétrons e, portanto, a equivalência entre os dois compostos é igual a 1 (neste caso, 1 mol de ClO equivale a 1 mol de Cl2). Assim, considerando a relação em massa para a mesma quantidade de matéria dos dois compostos, uma solução 2,0% em massa de cloro ativo tem em sua composição 2,1 gramas de NaClO (o equivalente a 2,0 gramas de Cl2) para cada 100 gramas da solução. Vale reforçar, neste caso, que a solução comercial deve ser diluída para ser usada na desinfecção de alimentos ou ambientes. Quando utilizada na desinfecção de água potável, por exemplo, a concentração de cloro ativo deve ser da ordem de 0,0002% em massa, ou seja, entre 10.000 e 12.500 vezes menor do que seu teor na água sanitária.

Independentemente do desinfetante escolhido, o importante é nos protegermos. Portanto, pegue seu “álcool 70”, sua água sanitária e saia desinfetando tudo. Vamos todos combater o coronavírus!

Por Prof. Dr. Luiz Humberto Marcolino Junior

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Máscaras contra a COVID-19

Máscaras usadas contra a COVID-19

Com o surgimento da pandemia da COVID-19 e a transmissão primária de SARS-CoV-2 via gotículas suspensas e aerossóis, a Organização Mundial da Saúde (OMS)1 e o Ministério da Saúde (MS) têm recomendado o uso de máscaras respiratórias em locais públicos. Isto porque, ao tossir ou espirrar, uma pessoa emite partículas (gotículas) de 5 a 10 μm, e, ao falar, partículas da ordem de 1 μm que podem conter uma alta carga viral. Assim, portadores do vírus, mesmo assintomáticos, podem contribuir para a rápida disseminação do patógeno. Suspensas no ar, as partículas diminuem de tamanho devido a evaporação, atingindo dimensões nanométricas e mantendo-se potencialmente ativas.2 O vírus SARS-CoV-2 mede de 70 a 90 nm.

São três as principais máscaras disponíveis para a proteção pessoal:

(1) As chamadas “N95” (norma técnica dos EUA), equivalentes a “FFP2” (norma usada na Europa e Brasil), são máscaras (chamadas respiradores) destinadas aos profissionais que estão em contato com pacientes e atuam em procedimentos potencialmente geradores de aerossóis. As N95 cirúrgicas são constituídas por quatro camadas: a externa, de tecido de polipropileno (PP, também chamado TNT) tratado com ácido cítrico, corresponde a uma barreira física hidrofóbica (avessa a água) que limita a penetração das partículas; a segunda, de fibra de celulose/poliéster, é hidrofílica (tem afinidade por água); a terceira, que corresponde a um filtro de PP de alta gramatura (50 g m-2); e a quarta, que é de tecido de PP tratado com íons zinco e cobre (1,6% m/m). As partículas aerossóis relevantes na transmissão viral são menores do que os poros formados pela trama de fibras dos tecidos que compõem a máscara, e a eficiência de retenção está associada às propriedades de cada camada. A segunda camada de celulose é responsável pela absorção das gotículas e a quarta camada pela imobilização eletrostática dos grupos carregados negativamente presentes no vírus. Elas possuem eficiência de filtração de 99,9% para partículas >300 nm e 85% para partículas <300 nm,3 e são capazes de inativar 99,9% do vírus Influenza, incluindo H1N1. Para o vírus SARS-CoV-2 ainda não há dados conclusivos de inativação.

(2) A máscara médica é normalmente constituída de duas camadas de PP, com 14 a 20 g m-2 de gramatura; ela possui poros maiores e eficiência de filtração de 99,6% para partículas >300nm e 76% para <300nm.3 Ela não possui vedação eficiente ao redor da boca e nariz como os respiradores.

(3) O MS recomenda à população em geral o uso de máscaras caseiras de pano (algodão, PP, etc.). No último dia 05 de junho de 2020, a OMS atualizou suas orientações.1 Recomenda-se a combinação de diferentes materiais e mínimo de três camadas para as máscaras caseiras, sendo a camada interna de tecido hidrofílico (algodão), camada intermediária de PP ou algodão de alta gramatura para filtração e camada externa hidrofóbica. Com mais camadas a vazão é menor e permite maior retenção de partículas. Konda e coautores verificaram que a eficiência de filtração de duas camadas de algodão se aproxima à da N95 para partículas >300nm e a combinação de camadas de algodão e seda natural tem eficiência superior à da N95 para partículas <300nm (94%), a qual foi atribuída à contribuição de uma filtração eletrostática3. Interessantemente, o filtro de celulose para café4 é um elemento filtrante que possui alta gramatura e é bastante hidrofílico, sendo ideal como camada interna ou intermediária. Tanto Konda e coautores3 quanto a OMS1 ressaltam a importância de que a máscara se ajuste corretamente em torno da boca e nariz, para não haver aberturas. Isso porque, como numa filtração, o “papel de filtro” (na camada interna da máscara) precisa estar acomodado no “funil” para não haver fugas. Assim, o filtro de café pode ser dobrado (como mostrado na imagem) para formar vincos e se acomodar melhor ao redor do nariz e da boca.

Fig A-F. Sequência de corte e dobraduras para melhor acomodação do papel de filtro ao redor da boca e nariz para não dificultar a respiração.

A OMS1 ressalta também a inadequação de tecidos de fácil transpiração (por possuírem poros grandes) e tecidos elásticos (que expandem os poros ao esticar e sofrem fadiga) para compor a máscara caseira. Além disso, se molhada a máscara deve ser substituída porque o vírus pode ter mobilidade no tecido e alcançar o nariz ou a boca. Vale ressaltar que, mesmo implementando melhorias, o uso da máscara deve ser sempre associado às outras medidas de contenção da transmissão do vírus.1

Por Prof. Dr. Herbert Winnischofer

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Saiba mais:

  1. Advice on the use of masks in the context of COVID-19, https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/when-and-how-to-use-masks. Acessado em 07/06/2020.
  2. Howard, J. et al. Face Masks Against COVID-19: An Evidence Review, preprints.org. 2020. DOI: 10.20944/preprints202004.0203.v1.
  3. Konda, A. et al. Aerosol Filtration Efficiency of Common Fabrics Used in Respiratory Cloth Masks, ACS Nano, 2020, https://dx.doi.org/10.1021/acsnano.0c03252.
  4. Qual tipo de máscara é melhor? – Uma análise técnica e didática!, https://www.youtube.com/watch?v=HcsSjwIFJRc&t=372s. Acessado em 07/06/2020.